Quando o medo se disfarça

Alberto Fernando Becker Pinto

Publicada em 23/01/2019 - Revista Expansão

Numa viagem que fiz recentemente, chamou-me à atenção uma passagem que li sobre o medo, atribuída a Yvon Chquinard, o fundador da Patagônia: “não há diferença entre um pessimista que diz ‘Ah, é impossível, então não se preocupe em fazer nada’, e um otimista que diz ‘Não se preocupe em fazer nada, vai dar certo de qualquer jeito’. Nos dois casos, nada acontece”.

De fato, o medo é um camaleão habilidoso e se disfarça de várias formas. Raramente, no entanto, ele se desvela escancaradamente com nome de quatro letras pelo qual o chamamos. As pessoas são dotadas de uma capacidade incrível de mascará-lo. Seja uma pessoa analisando uma proposta de emprego, seja um empresário lidando com um momento instável do mercado ou uma verdadeira crise generalizada em sua empresa, é comum percebermos uma busca desabalada por plausibilidades (já falamos, em outro ensaio, neste espaço, sobre a síndrome de Pollyana), quase sempre irracionais, que colocam no medo uma fantasia aparentemente bacana, porém perigosa: a recusa otimista da realidade.

Recusa esta que, bem examinada, muita vez, revela o artifício mais singelo de quem está vivenciando conflitos, problemas, dificuldades de toda a ordem, ou seja, a boa e velha negação da realidade. Por vezes, isto se deve ao desconhecimento; porém, quase sempre, se apresenta com simples tentativa de disfarçar o medo. O medo de agir, do que os outros vão pensar e falar de nós, de fazer o que já se sabe que é necessário enfim.

É claro que é normal sentir medo. Nem sempre se admite, mas é.Este é um grande e silencioso inimigo do progresso pessoal e da governança das empresas no mundo corporativo atual. Afinal, as empresas são feitas de pessoas. Como diz meu amigo Zanchin, por trás de todo CNPJ tem sempre um CPF. Portanto, cuidado! Não acredite que a performance de sua empresa, o endividamento, a gestão de pessoas, a carga tributária, a crise experimentada pelo país, a sua estrutura de custos, suas estratégias, que tudo vai se resolver espontaneamente. Normalmente, isto não acontece. Algumas coisas não dependem de você, mas muitas sim. Não se engane mais. Supere o medo disfarçado de otimismo e aja, enfrentando a realidade, pois as coisas não vão melhorar sozinhas.

Experimente, ouse, ponha-se a caminho da solução dos seus problemas. As chances de você conjurar o medo que paralisa e impede de agir serão significativamente maiores. Madre Teresa de Calcutá disse, certa feita, que “as mãos que fazem são mais sagradas do que os lábios que rezam”. E, ao final, quem sabe, o amigo leitor se questione: era isso que eu temia? Pense nisso.

Quando o medo se disfarça