Que lição vamos deixar para o amanhã?

Sílvia Regina Becker Pinto

Publicada em 22/10/2020 - Leouve

Nascido em Dublin-Irlanda, Edmund Burke, filósofo, advogado e político, que viveu entre 1729-1793, foi um Liberal que, não obstante, foi considerado o “pai do conservadorismo moderno” (alguns até o definiam como a “Consciência do Império Britânico”).

Como assim? Um Liberal Conservador? Sim. É que ser Conservador é diferente de ser reacionário, e Burke não pretendia e nunca pretendeu que se andasse para trás; como Conservador, ele admitia e desejava mudanças e reformas na sociedade, porém, defendia que elas fossem lentas e graduais, sem rupturas com a tradição, sem dispensar todo aquele conhecimento amealhado pelos nossos antepassados e que nos fizeram chegar até aqui.

Por isso, Edmund Burke, muito simpatizante da causa da Independência dos Estados Unidos da América, foi um duro crítico da Revolução Francesa. Aliás, Burke desprezava os Filósofos Iluministas que pregavam que nós deveríamos nos desvencilhar de toda tradição, de tudo aquilo que era antigo, para começar alto totalmente novo.

Burke defendia não apenas a valorização da tradição, como a valorização das gerações futuras. Compreendia que a sociedade não era formada apenas por aqueles que estão aqui hoje, mas, também, por aqueles que já se foram (nossos antepassados e todos os valores que nos deixaram) e aqueles ainda por nascer. Igualmente, Burke era defensor da propriedade privada e do livre comércio, que entendia como o único caminho da prosperidade de um Estado.

Bem examinado, Edmund Burke não desenvolveu um grande sistema filosófico (envolvendo, por exemplo, Metafísica, Teoria Política, Ética etc.), mas suas obras foram muito bem recebidas na Academia e pela comunidade em geral. O que ele propunha em sua obra então?

Bem simples. Refletindo sobre a Revolução Francesa, ele nos deu uma ideia de um Direito Natural que fundamenta a autonomia do indivíduo dentro da sociedade, mas essa autonomia não pode interferir ou aniquilar a harmonia geral do todo.

Ele concorda com os “Contratualistas” (especialmente com John Locke), quando dizem que a Sociedade é formada por um grande “Contrato Social”, em que as pessoas ajustam se unirem umas às outras, para fins de comercializarem, em paz, os seus produtos, e que exista, nessa sociedade, um Ente superior que irá julgar todos os conflitos dela emergentes.

Todavia, esse Contrato Social não é o mesmo contrato que fazemos quando vamos ao mercado comprar mantimentos; quando vamos abastecer nossos veículos num posto de gasolina; ou, quando adquirimos uma propriedade. Quando Edmund Burke pensa em um Contrato Social que irá fundamentar a sociedade, ele se refere àquele “Grande Contrato Social Eterno e Divino”, que tem Deus por seu fiador.

Lembremos, a propósito de um “Contrato Social”, que, para Burke, o homem é muito mais do que um ser comercial. Ele é um ser que precisa da ciência, precisa da arte e, também, é detentor e cultivador de virtudes. Assim, ele participa da sociedade; porém, não apenas de uma sociedade que vá suprir a sua existência animal. Para Burke, é dentro dessa sociedade que o homem encontra o bem comum justamente porque a sociedade não é formada apenas pelas pessoas que estão aqui e agora convivendo com a gente. A sociedade é formada por nós e, também, pelos nossos antepassados e nossos descendentes.

Nesse sentido, nós temos que ter todo um respeito à tradição; não podemos simplesmente romper com ela, como se tudo por ela pregado fosse errado. Devemos, assim, viver, na visão de Burke, conforme todas aquelas regras e valores que nos foram passados pela tradição e, também, pensando nas gerações futuras.

Isto é, em todos os atos morais que formos realizar, devemos levar em conta a tradição; pensar nos exemplos que nos foram passados por nossos antepassados e nos exemplos que nós queremos e vamos deixar para o futuro, para os nossos descentes, os que irão nos suceder neste mundo.

Burke, como se percebe, valoriza o sentido moral da vida e o hábito com primazia sobre a educação. Podemos dizer que ele foi um precursor da ideia de uma responsabilidade da sociedade para com o passado e para com o futuro, segundo uma ideia de um dever de deixamos para os nossos descendentes, se não um mundo melhor, ao menos, um mundo não pior do que aquele que recebemos de gerações passadas. Que sejamos mais cientes dessa responsabilidade, enquanto pessoas e enquanto sociedade.

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